O
intróito
O dia 15 de Setembro de 2012 começou soalheiro e
adivinhava-se quente. Voltei a olhar para o papel. O encontro seria às 09h30 na
Casa Museu José Maria da Fonseca. Em rodapé dizia-se ser necessário levar
chapéu e roupa fresca e confortável. A razão? Fazer a vindima da colecção
ampelográfica da JMF. O convite incluía ainda prova de vinhos e almoço.
Domingos Soares Franco escrevia ainda que o encontro seria descontraído, em
ambiente agradável e conversar-se-ia sobre o tema inesgotável que é o mundo do
vinho. O convite, irrecusável, era dirigido a bloggers que escrevem sobre esse tema inesgotável. Indumentária
colocada, arranquei em direcção a Azeitão para um dia diferente.
Da
vindima
Recebidos pela Sofia Soares Franco, partimos em
direcção à Quinta de Camarate para uma manhã de trabalho árduo… Domingos Soares Franco, de pose e indumentária descontraída,
aguardava-nos na quinta, junto à vinha da colecção ampelográfica. Apresentações
feitas, foram ditas palavras de boas vindas que o vento não levou pois assim
rezam os ditames da arte de bem receber, apanágio das gentes que habitam esta
quinta. A cavaqueira prosseguia amena, contrastando com a temperatura elevada
que já se fazia sentir e que a roupa fresca e o chapéu procuravam domar, quando
já se distribuíam as tesouras para cortar os cachos. Era tempo de ir trabalhar que as uvas não se vindimam
sozinhas!
As tesouras eram novinhas em
folha, delicadeza da JMF quiçá pensando que estes bloggers seriam grandes profissionais do corte e que mereceriam
tamanho mimo. Entrámos pela vinha da colecção ampelográfica dentro, devidamente
acompanhados por um grupo de vindimadoras (essas sim as verdadeiras
profissionais) que nos guiaram no ofício.
A supervisão esteve a cargo do
próprio DSF e de mais um membro da equipa de enologia da JMF que andava numa
roda-viva a responder às questões acerca do que se estava a colher. De lista
(ou seria uma caderneta?) na mão, contendo os nomes das mais de meio milhar de
castas da colecção, as respostas foram sendo dadas.
Ouviram os vindimadores
nomes de castas portuguesas e outras de além-fronteiras de que boa parte delas
nunca ouviram falar. Mais perguntas sobre as características da castas,
satisfeita a curiosidade e logo se passava à casta seguinte numa cadência que
se prolongou por um tempo que não custou a passar.
Refira-se que é natural que
a JMF tenha sentido uma quebra na produção já que vários bagos foram sendo
retirados, tomando o caminho do órgão que fica imediatamente por baixo do nariz...
Durante a vindima ainda houve tempo para uma bucha com sólidos e líquidos (vinho, claro!) para retemperar forças.
Feito o corte dos cachos, ainda se passou por uma área da quinta onde estão
plantados doze dos melhores clones de Touriga Nacional. Mais uns bagos que se perderam…
Da
barrica
Depois da vindima, fomos para dentro de portas e
levados para a adega onde repousam uma quantidade considerável de barricas,
principalmente daquelas que falam
francês. Dentro de algumas delas repousavam vinhos monovarietais da colheita de
2011. O vislumbre de copos e da pipeta fez-nos saber rapidamente ao que íamos.
Com
comentários de DSF provámos directamente das ditas cinco vinhos:
Trincadeira
2011: Aroma intenso, misto de fruta, vegetais e barrica, incisivo,
taninos sólidos e bem presentes, perdura na boca.
Touriga
Franca (Francesa, como prefere DSF) 2011: Aroma
mais fechado que o Trincadeira, circunspecto, na boca revela-se elegante mas
poderoso com o equilíbrio a ser a nota dominante.
Touriga
Nacional 2011: Bem no aroma, com a dose habitual de flores da
juventude, corpo atraente e sedoso, despede-se com secura.
Castelão
2011 (Barrica Seguin Moreau M
Premium): Aroma
frutado mas mais mineral que os anteriores, bom corpo e bem fresco na boca,
despede-se com garra.
Castelão
2011 (Barrica Seguin Moreau Elegance
ML): Mesma
casta, barrica diferente com tosta fina e preço a condizer. A base aromática é
a mesma do anterior mas muito mais elegante e de empatia imediata. A boca segue
a bitola do nariz, muito mais fino e aveludado apesar da estrutura de corpo que
apresenta. O que a barrica pode fazer ao vinho…
Foi
ainda dado a provar um Tinto Cão que não viu a madeira e que já estava a
iniciar o repouso em garrafa:
Tinto Cão 2011
(já engarrafado, sem madeira): Aroma frutado intenso, fresco, na boca
presenteia-nos com volume e corpo digno de nota e acidez bem vincada.
Da
prova vertical
Depois da prova dos vinhos em barrica fomos
presenteados com uma vertical de Periquita com exemplares dos anos 70, 80 e 90
do século passado mais o jovem 2010:
Periquita
1971: Média intensidade de cor com as esperadas nuances
acastanhadas. Os aromas são os típicos de vinhos com idade com complexidade
digna de registo. Na boca mostrou-se macio e envolvente com boa frescura. Uma
vénia.
Periquita
1985: Cor evoluída, notas licoradas e de couro,
mostrou-se algo morno na boca, mais marcado pelo tempo que o 1971.
Periquita
1990: Cor rubi-acastanhada, talvez o menos expressivo em
termos aromáticos comparativamente aos dois irmãos mais velhos. Na boca
mostrou-se elegante, macio e com a acidez ainda a alegrar o conjunto. Final com
boa persistência.
Periquita
2010: Cor a evidenciar a juventude, de média intensidade.
Aroma intenso e essencialmente frutado, revelou-se macio, cordial, com bom
volume e prazenteiro na boca.
Do
almoço
O
dia ia a meio, a bitola da simpatia e dos produtos presenteados já ia alta e
ainda nem o almoço tinha chegado… Deste, o que dizer? Mesa cheia, composta, com
produtos de elevada qualidade e confeccionados com primor. Passando os olhos
pela ementa, tivemos queijo de Azeitão, creme de ervilhas, bacalhau dourado,
pão, azeite, torta de Azeitão, fruta,… A acompanhar, conversa descontraída e os
vinhos da casa com surpresas para o final. Passaram pelo copo:
Lancers 2011: O típico
Lancers, fresco, frutado, redondo, ideal para Lançamento da refeição.
Pasmados branco
2008: Nuances
douradas com muito marmelo para oferecer, boa acidez e bastante agradável.
Hexagon 2005
(Garrafa Magnum): Escuro,
com boa intensidade aromática e complexidade. Na boca mostrou-se impactante mas
ao mesmo tempo elegante, tendo-se passeando de forma superior pelo palato e
terminando guloso e persistente.
DSF Colecção
Privada Tinto Cão 1999: Cor mediana, nariz e boca com bastante vivacidade
e complexidade, termina longo e persistente.
DSF Colecção
Privada Tannat 1999: Um pouco mais escuro que o tinto cachorro. No nariz sobressaem as notas
licoradas e de fruta em passa mas é na boca que se revela de forma
surpreendente (ou talvez não…) deixando uma marca indelével à sua passagem já
que enche a boca, é duro, forte e… adstringente. Fez-se um blend no copo com um pouco do Tinto Cão e a fera amansou obtendo-se
um resultado mais equilibrado.
O melhor,
como em muitas outras coisas da vida, estava reservado para o final:
JMF Moscatel
de Setúbal Apoteca 1934: Cor ambarina escura. Nariz inundado de fruto seco
e em passa, mel e sabe-se lá que mais mas que é bom é… Na boca é um portento de
sensações que escuso de classificar muito mas vou dizendo que o senti
mastigável, impactante, explosivo, longo, doce,… Deleite puro.
JMF Moscatel
de Setúbal Apoteca 1911: Depois do impacto do 1934, nem vale a pena falar
deste. O nível subiu a níveis que escuso de comentar. Estava lá tudo o que o
1934 nos trouxe mas a um nível de excelência, prazer e arrebatamento
incomensuráveis. A imagem na memória que me ficou do vinho vale mais que mil
palavras.
Da
visita à adega e do melhor vinho do mundo e arredores
Chegada
a hora de levantar da mesa fomos em visita guiada pelas instalações da JMF para
sentir a adega e todo o trabalho da vinificação. Durante a viagem foi possível
sentir e imaginar a entrada das uvas no parque de recepção e a descarga nos
tegões, o transporte do fruto para os desengaçadores/esmagadores, o transporte das massas vínicas para o
interior da adega, observar as cubas de fermentação e todos os equipamentos de
suporte à vinificação, imaginar as remontagens, o transporte das massas
fermentadas, o trabalho das prensas, o estágio dos vinhos em cuba, barrica e
engarrafamento...
Durante a visita mais uma surpresa. As uvas da colecção
ampelográfica vindimadas de manhã e já esmagadas repousavam em lagar à espera
da transformação naquele que poderá vir a ser o melhor vinho do mundo e arredores….
Espero poder ainda vir a
escrever sobre ele…
Epílogo
Depois
de todas as emoções sentidas durante o dia, um agradecimento à JMF pelo
convite, simpatia, disponibilidade e arte de bem receber demonstradas.
A grande maioria das fotografias
apresentadas são cortesia da JMF
os empregados sao explorados ate a quinta geraçao para receberem uma miséria mulheres a trabalhar a trinta anos a receber em media 400 euros
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